terça-feira, 10 de setembro de 2013

Brincar é coisa séria!

Brincar é coisa séria
Entrevista com Marilena Flores Martins

SESC/SP

Falta de segurança, novas tecnologias, a vida atribulada das grandes cidades e longa jornada de trabalho dos pais são alguns dos fatores que influenciam as atividades lúdicas das crianças do século 21.

TODA CRIANÇA TEM O DIREITO AO DESCANSO E AO LAZER, e a participar de atividades de jogo e recreação, apropriadas à sua idade, bem como à participação na vida cultural e das artes. O conteúdo acima, exposto no artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), é bem claro: toda criança tem o direito de brincar. Seja em casa ou na escola, ela pode e deve ser livre para mergulhar em sua imaginação. No entanto, nem todos têm essa percepção. Muitos pais e professores ainda interpretam as brincadeiras, fundamentais para o desenvolvimento infantil, apenas como diversão. “A brincadeira é a linguagem da criança”, diz Marilena Flores, presidente da Associação Brasileira Pelo Direito de Brincar (IPA/Brasil). “É o meio pelo qual ela se relaciona com o mundo.” 

É por meio dessa relação lúdica que a criança aprende, fortalece o corpo, exercita a coordenação motora e adquire habilidades úteis para toda a vida. Segundo a pesquisadora de cultura da infância Lucilene Silva, pular corda, por exemplo, pode ser um ótimo exercício de coragem. “Primeiro a gente observa o ritmo, e depois se encoraja a entrar”, diz. “Pula duas, três, vinte vezes, até que começa a pular agachado e de um pé só. Tudo isso é uma preparação para os desafios que vamos enfrentar.” A especialista explica ainda que em brincadeiras coletivas, como uma partida de futebol, os pequenos aprendem a conviver com os colegas e a colaborar com eles. Entendem que, se não seguirem as regras, ficarão de fora do jogo e que o trabalho depende do grupo, e não só de uma pessoa. “Quando brincam com outras crianças, eles discutem e negociam”, analisa. “Decidem quem joga primeiro, quais são as regras e as punições para quem perder. Um grande exercício de socialização.” 

Mesmo quando as brincadeiras acabam em choro, raiva ou desentendimento, são experiências positivas para as crianças, pois elas põem para fora sentimentos com os quais estão aprendendo a lidar. “Quando você tem uma perda, o melhor é chorar para se livrar da sensação ruim”, retoma Marilena Flores. “Não devemos guardá-la.”

BRINCAR NADA MAIS É DO QUE EXPERIMENTAR. É testar objetos e texturas, tocar, cheirar, mexer, bagunçar, imaginar. Tudo isso é um processo de aprendizagem que, segundo o livre-docente em cultura e educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Marcos Ferreira Santos, é extremamente importante para o ser humano, e não se limita à infância. “No laboratório, por exemplo, os cientistas trabalham com ensaios, acertos e erros”, diz o professor. “É também um mundo de brincadeiras que, obviamente, são registradas”, diz. Tal conceito é fundamental para transformar a ideia de que a atividade lúdica é secundária e dar a ela a sua devida importância. “É preciso acabar com essa relação de parar de brincar para fazer coisa séria”, diz a pesquisadora de brinquedos e brincadeiras infantis, Renata Meirelles. “Brincar é muito sério.”

Aprender a brincar

A longa jornada de trabalho dos pais, a violência dos grandes centros urbanos e o advento das novas tecnologias afetaram o modo de brincar das crianças. Sem poder ficar na rua por falta de segurança, elas permanecem muito tempo dentro de casa – muitas vezes pequenos apartamentos –, com um espaço limitado para atividades lúdicas. Uma das principais consequências é a falta de contato com a natureza, essencial para o desenvolvimento. “Ao ar livre, a criança se desenvolve fisicamente quando ela corre, sobe em árvore, pisa na terra, brinca com água”, diz Marilena Flores. “Em casa, é mais difícil.” Já com a falta de tempo dos pais, algumas brincadeiras vão sendo cada vez menos lembradas. É o caso das cantigas de roda, tradicionalmente passadas de uma geração para a outra. “Quando a mãe estava mais presente ou a criança brincava na rua, ela tinha um repertório maior de brincadeiras”, diz a pesquisadora Lucilene Silva, que trabalha com o registro de brincadeiras e a divulgação de cantigas de roda tradicionais. “Isso acontece em menor escala nas cidades do interior, onde a troca de experiências ainda é maior.”

Tecnologia na medida

A televisão e os jogos eletrônicos, como tudo, podem ser prejudiciais se usados em excesso. “Esses brinquedos não permitem a criação, a elaboração do personagem, como acontece quando a menina brinca
de boneca ou quando ouve uma história”, diz Lucilene.

Apesar de muitos não poderem alterar sua rotina de trabalho, não terem como morar em uma casa com um grande quintal ou tirar o videogame de circulação, os pais podem melhorar muito a qualidade do brincar dos pequenos com medidas simples. “A primeira coisa é retomar a sua própria infância”, diz Lucilene. “Lembrar do que brincava, do que mais gostava e pensar no que a criança precisa também.” Para compensar a falta de espaço, os pais devem levar os filhos para brincar em áreas ao ar livre e, de preferência, com natureza abundante. Seja o playground do prédio, parque público ou clube. Mesmo dentro de casa, o ambiente pode ficar bem mais convidativo se for complementado com elementos naturais, como um canteiro de pedras ou um jardim que possa ser usado à vontade. “Essa relação de exploração do espaço é importante para o desenvolvimento da criança”, diz a especialista em brinquedos e brincadeiras Renata Meirelles.

O videogame e o computador não precisam ser banidos, mas devem ser usados com moderação, e não nas doses que as crianças exigirem. Além do controle, brinquedos eletrônicos – sempre tão atrativos – devem ser dados às crianças mais velhas, com capacidade de compreensão maior, e evitados na primeira infância. “Quanto mais cedo elas se envolverem com esses recursos, maior a chance de elas se afastarem das brincadeiras com contato corporal”, afirma Renata.

Todo mundo junto

Além de acompanhar, estimular e dar condições para a brincadeira, os pais devem participar delas. “Quando a mãe brinca junto, a criança se sente totalmente aceita”, diz Marilena. “O compartilhamento desse momento de alegria ajuda a desenvolver a autoconfiança.” Ou mesmo quando não tiverem como parar para brincar, os pais podem – e devem – deixar as crianças se envolverem em atividades manuais, como cozinhar e jardinagem. “O adulto é uma referência importante”, complementa Renata. “Não precisa ficar de fora, pode fazer atividades junto com os filhos.”


A escolha do brinquedo também é muito importante. Especialistas são unânimes em lembrar que os mais simples, como um jogo de empilhar, um pião e até um simples galho de árvore, são os que proporcionam experiências mais interessantes, pois exercitam muito a imaginação da criança. Mesmo que a loja de

brinquedos ofereça pista de corrida e o posto de gasolina para quem quer brincar de carrinho, é interessante deixar que os pequenos construam seu próprio universo. “O mercado de brinquedos sempre antecipa a necessidade das crianças, mas não é isso que eles precisam”, garante Renata.


A quantidade de brinquedos e o seu grau de sofisticação não têm nada a ver com a qualidade da brincadeira. Pelo contrário. Muitos bonecos, carrinhos e jogos entulhados em um quarto pequeno podem ser sufocantes. E, muitas vezes, os melhores brinquedos são tão simples que nem precisam ser comprados. “Quando a criança transforma a panela em um carro, é um processo muito mais criativo”, continua Renata. A pesquisadora, que estudou brincadeiras em áreas rurais, conta que, em alguns locais onde os brinquedos industrializados são raros, as crianças se divertem muito com objetos encontrados na natureza, como pequenos galhos e terra. “Essa interação com a natureza é muito saudável e faz parte da cultura da infância.”

Fonte: http://www.aliancapelainfancia.org.br/artigos.php?id_artigo=117

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