Vida que brota no faz-de-conta
Autora e contadoras de história mostram a importância de inocentes personagens na existência das pessoas
Num texto publicado em seu blog, a escritora Giulieny Matos dá destaque à amizade que a une a três professoras de Taguatinga. Não por acaso, todas elas contadoras de histórias. E a união das quatro deu-se em torno de a Menina Derretida, livro narrado por Maristela Papa, Nilva Mitral e Sônia Morato. A homenagem tem caráter também de comemoração, já que na terça-feira, dia 20 de março, é o Dia Internacional do Contador de Histórias.
“Nilva Mitral deu vida à Derretida além das páginas de papel. Maristela Papa, e o contador e músico William Reis levaram a história para dentro das escolas e a contaram pelo menos 58 vezes com o projeto itinerante ‘Caravana de Histórias’. Sônia Morato também adotou a Menina Derretida em seu repertório e se apresenta voluntariamente em escolas e hospitais. Para a eternidade, é um livro que brinca com a realidade e o imaginário das crianças!”, diz Giulieny.
O contador de histórias é figura de destaque no mundo da literatura. Dá vida a personagens entretendo plateias em escolas, festas, hospitais. Se crianças encantam-se com este tipo de representação, quem narra o texto também diz sentir um prazer enorme diante da garotada, como atestam Maristela, Nilva e Sônia. Para o autor, conta Giulieny, igualmente não há nada mais valioso na divulgação e reconhecimento de uma obra do que o contador.
Associação
Maristela integra a Associação Amigos das Histórias, com 60 membros e 23 anos de existência. A entidade é presidida por seu marido, William Reis, que já tem sua sobrevivência garantida apenas no exercício da função, que o casal e seus associados sonham em ver como profissão regulamentada. Maristela fala com orgulho da atividade que já é curso de pós-graduação e será referenciada na Câmara dos Deputados, também neste mês, como já ocorre há oito anos.
Nilva brinca com a válvula que carrega no coração adotando-a como seu sobrenome. A exemplo de Maristela, ela sonha com a aposentadoria como professora, jamais como contadora de história. Nilva entra num estágio mágico quando se posta diante das crianças. “Aí, sou risonha, alegre, sempre alto-astral”, afirma, revelando que é uma pessoa tímida e nem tão alegre quanto a que se apresenta diante da garotada.
Arrepio
“É uma energia tão grande que fico arrepiada. As crianças dão retorno, no contato com o olhar, gestos, fala. É um encantamento para mim. No dia a dia, não sou aquela pessoa. Visto um personagem”, confidencia Nilva. No seu caso, ela prefere apresentar-se sem nenhum apetrecho infantil, como ilustração, “para que a criança deguste a palavra”.
Nilva não cobra nada pelo que faz com a voz há mais de 30 anos. “Nem sei como colocar preço”, diz. Ela conta histórias até em presídios femininos. No quesito remuneração, faz companhia a Sônia Morato, que já é aposentada. Sônia está em atividade há 40 anos, sempre como voluntária. Mas nenhuma das duas faz qualquer crítica à profissionalização.
Problema com livros
Sônia virou contadora de histórias porque tinha problemas com os livros, com a leitura. “Eu era sapeca, inteligente, bonita. Passavam-me de ano sem que eu tivesse aprendido a ler”, relembra. O resultado é que, depois, teve de trabalhar dobrado para recuperar o tempo perdido, por volta dos 12 anos, com aulas particulares bancadas pelo pai. Com essa idade, ela afirma que não era alfabetizada, apesar de ter um boletim invejável.
Esta é uma das motivações de Sônia, que começou contando história para os próprios filhos, como as três amigas que ilustram esta reportagem. “Quando me tornei professora, firmei compromisso de que nenhum aluno ficaria sem aprender a ler”, diz. Sintetizando sua função, especialmente quando a exerce em hospitais, ela diz: “Levo felicidade. A satisfação é minha mesmo”. Prazer compartilhado pelas quatro amigas, junto com o orgulho de ajudarem a desenvolver o gosto pela leitura.
Por Valdeci Rodrigues
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